« Sem qualquer reação de nossa parte, os gafam vão impor uma ortodoxia ideológica »
Dominique Reynié | 20 janvier 2021

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Esta entrevista foi realizada em francês por Guillaume Perrault, do jornal Le Figaro, em 11 de janeiro de 2021. Esta tradução do francês ao português foi realizada por Octavio de Barros, revisada e editada por Willy Delvalle. |
Ao « desligar os microfones » do anfifitrião da Casa Branca por iniciativa própria, as grandes plataformas demonstram claramente seu poder exorbitante sobre nossas vidas, alerta o diretor da Fondation pour l’Innovation Politique.
LE FIGARO.- Julgando que Donald Trump convocou seus apoiadores para uma insurreição, Twitter, Facebook, YouTube e outras plataformas suspenderam suas contas e alguns de seus vídeos. Como você avalia a decisão deles e a ampla controvérsia que ela provocou?
DOMINIQUE REYNIÉ – Donald Trump encerrou seu mandato como presidente dos Estados Unidos com erros extremamente graves. Ele tem que responder por isso perante a justiça de seu país. No entanto, o papel de censor em última instância que os GAFAM se deram nesta ocasião é desproporcional. Infelizmente, o temor de ver o país afundar no caos, a aversão de Trump – cultivada por ele mesmo – por parte dos americanos e da intelligentsia mundial, permitiu aos gigantes “high tech” validar seu impressionante ato de censura por uma série de aprovações imediatas, ruidosas e entusiastas. No entanto, esses aprovadores não são menos irresponsáveis. Eles se alegraram com a queda de um oponente, mas não pensaram nas consequências dessa censura. Todavia, são, em muitos casos, personalidades que exerceram ou exercem funções públicas.
Tratando-se de uma transferência de poder nos Estados Unidos, posso dizer que, de certa forma, ela acaba de ocorrer – no que diz respeito à regulamentação da liberdade de opinião – entre o poder público e as potências privadas. Dificilmente poderíamos imaginar uma forma mais dramática de consagrar o papel hegemônico das plataformas digitais sobre nossas vidas.
No caso de Trump, eles deram a impressão de estar lidando com uma crise de marca em suas sedes, sem compreender que estavam abalando a estrutura histórica de nossas liberdades.
A benevolência ingênua de suas palavras e justificativas sobre o assunto é confusa e muito preocupante. Podemos saber quem decidiu esse enorme ato de censura? Em que contexto de discussão? Com quem? As principais instituições públicas – judiciais, parlamentares, acadêmicas – foram solicitadas? Nesse universo que contribui massivamente para a obsessão pela transparência, poderíamos ler pelo menos um relatório desses debates?
De acordo com os defensores de Trump, essa decisão é arbitrária e ilustra a disposição dos GAFAM de rejeitar o pluralismo. O que você pensa desta crítica?
Sem nenhuma reação de nossa parte, os GAFAM vão impor uma ortodoxia ideológica. Mais do que isso: posso assegurar-lhe que isso já começou. É da natureza dessas entidades. Nossas vidas dependem cada vez mais dessas empresas planetárias, de alto desempenho, oniscientes e que nunca dormem; inversamente, eles são cada vez mais sensíveis às nossas vidas, as quais conhecem cada vez melhor. Esse vínculo orgânico com seu mercado os torna hipersensíveis aos sentimentos de seus consumidores, em qualquer parte do mundo. Aqueles que aplaudem a censura de Trump hoje chorarão amanhã, quando essas máquinas servirão a uma tirania. Os GAFAM que censuram Trump não consideram necessário censurar Erdogan ou Khamenei.
Para os defensores da decisão da plataforma, cabe aos GAFAM lutar contra o “discurso de ódio”. O argumento parece-lhe bem fundamentado?
Em primeiro lugar, esbarra imediatamente na questão de saber como avaliar o conteúdo do discurso. O que é “discurso de ódio”? Em algumas formas, o significado é óbvio. Pensar-se-á em racismo, antissemitismo, apelos à violência física contra uma pessoa ou grupo de pessoas. Mas quem sabe onde começa e termina o discurso de ódio? Cada uma terá seus critérios de avaliação, traçará seus limites, mas as linhas divisórias subjetivas nem sempre convergirão para formar uma visão coletiva em 2.0; às vezes eles colidirão radicalmente. As capas do Charlie Hebdo são a própria manifestação da liberdade de expressão quando os outros a veem como discurso de ódio.
Nosso espaço público está repleto de exemplos que mostram que toleramos cada vez menos essas diferenças, que o outro ponto de vista é cada vez mais percebido como uma agressão, até mesmo uma expressão de ódio.
Esta é a primeira consequência dramática do papel crescente das plataformas digitais. Ao abrir as portas aos mecanismos de censura oferecidos às relações de força, as plataformas digitais estão dando origem a um mundo onde a noção de “discurso de ódio” será objeto de evolução rápida e constante. Veja hoje como são mobilizadas as operações de requalificação de conteúdo, levando a reprovar quem viveu outrora por ter ultrapassado os limites estabelecidos desde então. É o caso da destruição de estátuas. Mas então, quem pode ter certeza de que o que se disse ontem não será reclassificado hoje como “discurso de ódio”? Quem pode ter certeza de que o que se diz hoje, o que se diz amanhã, não será reclassificado como “discurso de ódio” amanhã ou depois?
O que preconizar para conciliar liberdade e responsabilidade nas redes sociais?
As características dos GAFAM deveriam ser suficientes para nos dissuadir de delegar-lhes esse poder regulatório, e certamente não antes de eles próprios serem firmemente controlados por um regulador público: são empresas, exercem um controle oligopolista do espaço público digital, que se tornou, de fato, a base de todo o espaço público. São empresas estrangeiras, exceto para os americanos. Aceitar a regulação do espaço público pelos GAFAM nos compromete com um processo histórico, o advento de um governo de nossas liberdades globais e privadas.
Os GAFAM não colocam apenas o problema da regulação das nossas liberdades pelas plataformas digitais, « americanizam » a prática das liberdades e as moldam segundo um regime planetário de tolerância do qual são os únicos árbitros e juízes. Podemos admirar essas empresas, podemos ser admiradores da democracia americana ao mesmo tempo em que recusamos que nossas liberdades obedeçam aos critérios americanos, a fortiori quando emanam desses poderes privados.
Os GAFAM digitalizam e “americanizam” nossas liberdades. O desmantelamento desses oligopólios tornou-se necessário. Observo com esperança que isso é discutido seriamente nos Estados Unidos. Mas para nós, isso não será suficiente. Devemos ver o rápido surgimento de plataformas europeias. Se me dizem que isso é impossível, então é a liberdade que, no nosso continente, tornar-se-á impossível.
Dominique Reynié
Diretor geral da Fondation pour l’innovation politique (Fundação para a Inovação Política).